A sucessão de Lula

05/11/24 - Índice

Uma das críticas (que talvez seja melhor considerar como “críticas”) que eu mais leio e ouço contra o Lula (às vezes contra o PT, às vezes contra a esquerda, mais ou menos conforme a falta de assunto que levou a isso) é a de que Lula não consegue fazer um sucessor.

Os motivos também variam: ora Lula é um incompetente que não consegue fazer sua sucessão, ora um ditador que não deixa ninguém crescer ao seu redor. Algumas vezes isso serve como “prova” de que a esquerda está acabando, ou um sinal de que uma hora vai acabar, e em outras ocasiões, serve como “evidência” da falta de legitimidade da esquerda em representar o povo, em particular o brasileiro, “naturalmente” de direita.

Disso tudo eu já não sei o que eu li e o que eu ouvi em conversas, mas eu sei que é uma crítica vazia porque ela é paralela à “constatação” (acho que vou abusar muito das aspas desta vez) de que o Brasil só teve governos de esquerda ( ) desde a redemocratização?, ( ) desde a proclamação da República?, ( ) desde a independência?, ( ) desde 1500? Seja qual for a opção que alguém marcar, o importante é deslegitimar o campo oposto (isso acontece do lado de cá também, a deslegitimação da direita, mas ela que se defenda - até porque eu não consigo ver muito claramente os limites entre direita e extrema-direita, talvez por não estar envolvido nesse campo político, talvez porque hoje em dia não tenha mesmo muitos limites).

Mesmo sendo uma crítica vazia, ela tem ares de um problema sério: realmente o Lula não tem um sucessor. Claro que é uma afirmação que ignora a Dilma, e também ignora a “unção” (essas aspas não contém ironia) de Manuela d’Ávila e Boulos (a ZH fez uma apresentação deles, e eles próprios se apresentaram na Folha) em Curitiba, logo antes da prisão. Mas acho que nada disso serve como argumento.

O que eu acho que serve como argumento é o simples fato de que a esquerda não favorece herdeiros, como se instituísse tronos e dinastias, a não ser, talvez, localizadamente, como o PCO (que eu só conheço de longe, mas para mim tem cara de seita) e os parentes de Ciro Gomes (apesar de ele próprio já ter abandonado qualquer traço de esquerda que ainda tivesse, e acho que nem como direita serve, me parece mais um franco-atirador ou um kamikaze político).

O que o Lula tem que a direita não tem é uma história (que já virou uma ideia), e sei lá eu quais outras características (carisma, etc.), mas apesar de ele ter criado um partido político (que, em todo caso, ele não criou sozinho), ele não criou um trono, e mesmo que quisesse se apropriar da própria liderança a ponto de transmiti-la como se fosse um patrimônio pessoal, tem a proverbial característica da esquerda “que não se une nem pra montar chapa em eleição pro DCE”, ou seja: reino, aqui, só o de Deus.

A imagem é de The New York Public Library, copiada do Unsplash.